Terrível! Um Muro no Estômago
Alcir Santos de Oliveira
Sim, um murro no estômago, ou no baixo ventre, como queira. Esse Tenório, num inovador romance de costumes, toca sem piedade em dois nervos sensíveis, e expostos, do corpo da sociedade brasileira: a decadência do ensino público, com a desvalorização do professor; e a questão do racismo endêmico, incrustado no espírito das pessoas e difícil de erradicar.
Sinaliza que podemos estar diante de uma nova geração de ótimos romancistas brasileiros, na trilha do enfoque das questões sociais, assim como fizeram Jorge Amado, Lins do Rêgo, Aluísio Azevedo, Graciliano Ramos, dentre outros. Agora, além dele, já podemos listar autores como Carla Madeira e Itamar Vieira Júnior.
Neste romance, o autor esbanja categoria. Segura o leitor já no início da trama, sem deixá-lo perder o interesse até o grand finale, sem dar pistas de como será. Inovando na forma de escrever, utiliza basicamente frases curtas e parágrafos longos, dando um ritmo sincopado e agradável à leitura. Escolheu como forma narrativa uma carta que o filho escreve ao pai morto. Assim, vai de forma cadenciada montando seu enredo. Tenório trabalha com três perspectivas, a do pai, da mãe e do próprio narrador, para guiar o leitor pelos meandros da trama e apresentar os personagens. O pano de fundo é a questão do negro no Rio Grande do Sul, especialmente em Porto Alegre, e a difícil realidade do professor de escola pública, desvalorizado, desrespeitado e desmotivado.
Sob o aspecto do racismo estrutural, explora a questão dos dois lados, inclusive o delicado ângulo de visão do discriminado que acaba se acostumando com as pessoas que se afastam, com as mulheres que apertam as bolsas contra o corpo e, sobretudo, com o comportamento dos policiais, inclusive os negros, que vivem a atanazar a vida das pessoas com humilhantes revistas, muitas vezes recheadas com atos violentos e ofensas. Muitas vezes, constatado o engano, motivado pelo racismo entranhado no cérebro de todos nós, sequer se desculpam. Um livro assim já custava em aparecer. É bom demais!
|